Entrevista com Marcelo Vianna
- Marcelo Vianna
- 4 de fev. de 2016
- 10 min de leitura
Nome: Marcelo Vianna
Data de nascimento: 30/08/1963
Tempo de pedal: 40 anos

Bicicleta preferida: Qual (marca) e por quê?
Pinarello Montello 1989 com Campagnolo Record C Delta.
Combinava a leveza e rigidez do aço em um quadro muito bem construído (a mão). Não era a mais leve das bicicletas comparada com as atuais mas era a bicicleta com que você gostaria de estar ao descer uma montanha sinuosa. Muito boa de curva. Sobre o grupo nem precisa falar, né?
Grupo de peças preferido. Por quê?
Campagnolo Record (todos). Uso campagnolo desde o Super Record dos anos 80 e são sem dúvida os melhores até hoje. Acho que a Shimano evoluiu muito desde os anos 90 mas ainda falta a ela a durabilidade da Campagnolo.
Por que Campagnolo? Qualidade, durabilidade. Eficiência e, claro, tradição.
Como foi seu encontro com a bicicleta?
Desde pequeno, como todo menino, eu queria uma bicicleta. Meu avô me deu a primeira, uma Monark tigrão (kkkkkk). Depois foi outra novela até ganhar um 10 marchas. Esperei muito por ela. A partir daí eu sumia pela cidade com a bike. Tenho a nota fiscal desta bike até hoje. Comprada na Ciclista Braziliense na Asa Norte.
Em 1976 houve uma corrida de bike para iniciantes e por faixa etária promovida pelo GDF como eles até bem pouco tempo faziam com a corrida de rua que, se não me engano, se chama Marotinha. Participei desta corrida e percebi que não bastava andar de bike era preciso ter equipamento, roupas, treinamento e etc.
Em 1977 teve outra e participei novamente sem treino e sem pretensões. Ao final destas corridas tinha a prova principal e assisti-las foi meu primeiro contato com o ciclismo de verdade.
Depois disso fiz outros esportes, mas sem me afastar da bicicleta que eu usava para ir e vir aos lugares. Fiz Judo, karatê, basquete e finalmente Remo. Foi no remo que me vi envolvido novamente com a bike.
Como eu não gostava de correr a pé e era necessário um treino aeróbio complementar eu o fiz na bike.
A partir daí foi “um pulo” até competir no ciclismo.
Havia em 1984 uma categoria para iniciantes que se chamava “jet caju” que era um modelo de pneu mais fino feito para as bicicletas Caloi de 10 marchas. Nesta categoria só se podia usar pneus com câmara comuns. E as bicicletas eram as nacionais com nenhuma ou pequenas peças melhores. Corri várias provas sem ter nenhuma noção de nada. Nesta época o percurso era o mesmo das outras categorias e, portanto, bem duro para quem não tinha treinamento adequado. Fercal era comum nesta época.
Como não poderia deixar de ser, chegava quando já estavam desmontando o “circo”. Pelo menos uns 20 minutos depois do primeiro geral (largavam todas as categorias juntas).
Meu pai em qualquer esporte que eu estava envolvido sempre me perguntava se o técnico ou treinador era formado em Educação Física. No ciclismo não havia ninguém com este perfil. Comecei a me informar, procurar livros e falar com as pessoas envolvidas. O que percebi é que era tudo empírico. Achei um livro na UNB, de um uruguaio dos anos 60, e segui uma receita de bolo que achei lá.
Fui correr a “jet caju” em 1985 um pouco melhor preparado mas ainda sem muita resistência. Foram dez provas e ao final fui campeão da categoria no ano.
Isso me animou. Já tinha me decidido a fazer a faculdade de Educação Física para entender como funcionava esta coisa de treinamento e ao final do ano passei.
Comecei 1986 animado ainda mais pelo exemplo de um amigo, o Marcelo Cardoso (Má), que havia evoluído muito no Triatlo e percebi que precisava me dedicar mais.
Em julho de 86 ele morreu atropelado no Lago Sul por um caminhão de lixo num dia que havíamos marcado de treinar juntos as 7 hs da manha. Me despedi dele às 11 hs quando ele estava saindo para treinar e eu chegando (morávamos no mesmo bloco na 106 sul) “isso é hora, cara?”, falei, “você sai muito cedo”, falou ele. Foi a última vez que o vi.
Depois disso tentei treinar mas o medo dos carros me impedia e 1986 foi um ano nulo. A não ser pelo fato que tive que aprender a nadar em 3 semanas para fazer um Triatlo que seria em homenagem ao Marcelo. Fiz dois no ano e vi que água não era para mim.
Bom a partir daí com os conhecimentos que foram sendo adquiridos na faculdade juntei um grupo de amigos que já pedalava junto, incluindo aí o Gláucio Fontenele que era o mascote da turma, e montamos uma equipe para correr a temporada de 1987 na categoria novatos. Eu fazia o treino de todos. Surgiu aí a equipe Iate Clube. Compramos os uniformes do próprio bolso e seguimos os treinos que eu elaborava.
Primeira corrida do ano fizemos treinos “especiais” durante a semana e a prova seria uma volta ao lago com três metas volantes e a chegada final.
Lembro como se fosse hoje. Nos reunimos a noite lá em casa e combinamos o que faríamos quando “sobrassemos” na matinha. Para nós era claro que sobraríamos lá, na primeira subida. Tudo combinado partimos para a prova.
Largamos todos juntos (novatos, aspirantes e principal). Na primeira meta volante vi os grandes da época se estudando e parti decidido e ...
Ganhei!!! Não acreditei naquilo. Acreditei menos ainda quando passamos eu e mais dois pela matinha e pela barragem. E após a barragem estávamos a comandar o pelotão atrás de uma fuga solitária. Sensacional!!
Resultado: fiz quinto geral e primeiro da categoria para meu espanto e de todos os demais. Bastou botar um método no treinamento que a coisa funcionou. Todos os demais da equipe chegaram melhor que esperavam.
Como eram/são seus treinos?
Seguiam uma linha mais clássica oriunda dos livros do Matveiev (Leev Pavlovitchi Matveiev) que ao final dos anos 50 revolucionou o modelo de periodização dos treinos. Este modelo é utilizado até hoje por muitos treinadores de esportes individuais. O que mudou de lá para foi o tamanho dos ciclos uma vez que, nos dias de hoje, nenhum atleta pode se dar ao luxo de ter apenas um pico anual de desempenho.
Sempre segui esta linha básica de treino periodizado só mexi nos ciclos para não ficar preso ao famoso “segundo semestre”. Na periodização anual, como era inicialmente, o período de base consumia muito tempo e jogava o melhor do seu desempenho para o segundo semestre do ano. Resolvi isso fazendo vários ciclos em um ano e com períodos muito curtos de descanso. Foi o fim das minhas férias de 30 dias que prejudicavam o meu começo de temporada.
Eu acho que o importante é você seguir um método, qualquer que seja, e por meio de medições (vários parâmetros) ir avaliando a sua evolução ou a do seu atleta e assim ir entendendo como determinado método funciona de forma diferente para alguns.
Com a chegada dos medidores de potência um grande problema de medição no ciclismo foi resolvido e muita gente agora vai entender melhor o treino. Ficou fácil estipular a carga e mais fácil ainda o atleta cumprir a carga determinada para um treino.
Resumindo, continuo pedalando sem pretensões competitivas. Por enquanto.
Onde os ciclistas se reuniam para os treinos?
Nós saíamos do eixão sul na altura da 106 sul.
Quais eram os ciclistas mais frequentes e qual era a motivação destes encontros?
Era a equipe do Iate Clube que depois se transformou/fundiu com a equipe da Academia Corpo formando a equipe Z Bicicletaria/Academia Corpo que depois virou a equipe BrB.
Os ciclistas mais frequentes nestas saídas da 106 sul foram: Eu, Glaucio Fontenele, André Falcão (Barriga), Frederico Tadashi (Japonês), Helios Procópio, Orivaldo Coutinho. Estes não faltavam nunca.
Esta saída da 106 acabou virando tradição de outras equipes que se formaram com o fim da Equipe BrB.
O pelotão do Lago Sul surgiu deste grupo que saía do eixão. No começo eram somente alguns ciclistas que ficavam, no final de semana, esperando este grupo passar no posto do balão do aeroporto e seguia junto. Não na época do BrB mas na época da equipe Academia Boca/Lazaretti. Quando o grupo saía para outro lado não dava certo.
Mas parece que a coisa pegou.
Quais eram seus percursos preferidos?
Gostava da estrada. Ir até as “7 curvas” e voltar era muito bom, fazer um bate e volta em Formosa também. Brasília – Anápolis também era fantástico.
Agora um percurso muito agradável e bom para treinar pois é muito variado é a volta ao lago. Pena que é curto. Então para dar pelo menos 100 km fazia volta ao lago com Área Alfa ou, se quisesse um percurso mais duro, volta ao lago com Fercal. Uma vez fiz, sozinho, três voltas ao lago. Foi duro!
Outro muito bom, apesar de na época o asfalto era muito pior, era subir o Colorado virar para o Paranoá, descer até o Vale do Amanhecer, virar para a direita e voltar pelo posto Pedrão. Este eu fiz sozinho e é duro também. Com mais gente é melhor.
Tinha a volta que se dava saindo pelo Núcleo Bandeirante e voltando pelo Gama. Hoje em dia não dá mais para fazer esses. Muito perigoso.
Em época de treinamento raramente andava no Lago Sul. Lago Sul era só para dia de descanso.
Você fez algumas viagens BSB/RJ de bicicleta. Como surgiu essa ideia e como foram as viagens?
Em 1992 eu estava muito bem fisicamente e havia ganhado o Torneio Governador do DF no primeiro semestre. Em Brasília sempre havia o Torneio Governador no primeiro semestre e o campeonato Brasiliense no segundo. Entre eles havia as demais provas avulsas (GP Sobradinho, 100 km de Brasília e outras). Eu havia feito um excelente 1991 e entrei 1992 ganhando provas. Ganhei o torneio e segui treinando. Então, no segundo semestre, a Federação “jogou a toalha” e procurou alguém para organizar o campeonato Brasiliense.
Até então o campeonato era em etapas como foi em 1990 quando o ganhei pela primeira vez.
Eu topei o desafio e pedi ajuda das quatro lojas rivais do ciclismo de Brasília: Z Bicicletaria, Casa do Ciclismo, Sportcicle e Ciclovício. Estas lojas sempre atuaram separadamente no ciclismo e a minha idéia era fazer uma grande prova promovendo a união entre todas. O Sílvio (na época dono da Z) topou assim como o Caio (Sportcicle), o Celso (Ciclovício) e o Afonso (Casa do Ciclismo).
Contamos ainda com a ajuda da Academia Boca e fizemos uma prova de 150 km (três voltas num percurso de 50 km). A inscrição podia ser feita em qualquer uma das lojas. Isso nunca mais aconteceu.
Enquanto acontecia a prova principal no circuito local fizemos as provas das outras categorias e paralelo a isso houve um passeio ciclístico que saía da Academia Boca e ia para o local da chegada que era a Esplanada dos Ministérios.
Deu tudo certo. Foi um sucesso. Mas o motivo de estar falando tudo isso é explicar o porquê da viagem ao Rio então, vamos lá:
Em outubro de 1992 haveria a I Volta Ciclística do Mercosul com largada em São Paulo e chegada em Buenos Aires. Só atletas convidados com inscrição de U$ 1.000 cada.
Cada Federação ganhou três inscrições e ficou decidido que iriam os três primeiros do Campeonato que seria em setembro.
Neste momento decidi fazer a viagem para Rio como preparação para a Volta do Mercosul. Mesmo correndo o risco de ficar mais lento para uma prova de um dia eu teria que arriscar. Para dar motivação para rodar 1200 km em 8 dias achei que a viagem seria perfeita.
E assim saímos daqui, eu e o André Falcão, num domingo, 30 de agosto de 1992, meu aniversário, com destino ao Rio de Janeiro com chegada prevista para domingo, dia 06 de setembro. A prova do campeonato estava marcada para o dia 13 de setembro, uma semana depois da chegada ao Rio.
Então foi isso a primeira viagem ao Rio serviu como preparação para o Campeonato Brasilisene de 1992, uma prova de 150 km com chegadas intermediárias a cada volta de 30 km. O Circuito era: Esplanada, rodoferroviária, Balão do Torto, Bragueto, Setor de Clubes Norte, Esplanada.
Como esperado fiquei um pouco lento mas com uma resistência muito além do que precisava para a prova que teve um número altíssimo de desistências.
A segunda, não me lembro o ano, talvez 99 ou 2000, eu já estava parado a alguns anos e foi muito mais dura que a primeira. Rodava muito menos quilometragem por semana e senti bastante os primeiros dias. Depois foi tudo bem. Fomos eu e o Boca. O problema não eram as pernas era o resto todo. Região lombar, etc...
A terceira e última foi em 2004, eu e o Boca novamente, também senti bastante mas foi muito divertida.
Na verdade estas viagens te permitem um introspecção tão grande que você se renova completamente a cada uma delas. Você pedala por 6, 7, 8 horas seguidas e fica muitas delas em absoluto silêncio. É você com você. E acontecem coisas bem diferentes e estranhas. Numa delas um casal de araras nos acompanhou por vários minutos voando ao nosso lado.
Um outro episódio foi num trecho de cerrado longo e deserto, sem um carro ou caminhão, somente aquele cenário seco com árvores baixas e pouca sombra. Olhei para o lado e vi um homem de calça social e camisa estampada entre as árvores parado olhando para a estrada. Parado. Completamente. Continuei pedalando sem falar nada e depois de uns 2 km perguntei pro Boca: “você viu aquilo?”. Ele respondeu: “vi”. E não falamos mais nada. Foi estranho.
Link para a terceira viagem; https://www.youtube.com/v/Owvb6LByADQ
Trace um paralelo entre esta época do ciclismo brasiliense e o atual cenário. O que você espera do ciclismo em Brasília?
Eu peguei a transição do ciclismo feito com conhecimento empírico para o ciclismo que conciliava conhecimento científico com experiência. A informação era muito mais difícil de se conseguir e os ciclistas não tinham conhecimento teórico nenhum. E quem sabia alguma coisa guardava para si.
Quando comecei a entender como funcionava o treinamento esportivo comecei a treinar atletas novatos e fui adquirindo experiência e dados sobre isso. Era difícil as vezes. Eu costumava dizer que “ciclista acredita em mula-sem-cabeça mas não acredita em ciência” e quem já treinou alguém sabe disso.
O que vejo como grande diferença nos dias de hoje é a facilidade de acesso a bons equipamentos, a facilidade de acesso a informação e a quantidade de ciclistas na rua. Eu não chamaria de ciclistas todos eles e vou explicar por que: pelo mesmo motivo que um cara não é tenista só por entrar uniformizado numa quadra com uma raquete na mão.
Apesar de toda evolução material e de acesso a informação tem uma coisa que não mudou nada: a grande maioria compra o equipamento e vai pedalar. Aprende tudo olhando e nem sempre o exemplo é bom. O ciclismo é como qualquer outro esporte. Antes de treinar em que aprender a técnica o movimento. O que acontece hoje é um monte de gente treinada pedalando com técnica sofrível. Há exceções, é claro, mas são poucas dado o número total de pedalantes.
Hoje há alguns profissionais ensinando ciclismo mas são poucos para o número de “pedaleiros” que temos no pelotão.
O que vejo hoje é que tem muito mais gente pedalando mas o ciclismo competitivo em Brasília caiu muito de nível. Não há mais equipes.
Corri até 2008 na Master e o que percebia é que o nível técnico das corridas da categoria Master em Brasília era muito superior ao da elite. Veja bem, não estou falando de potencial físico e sim de nível técnico. Mesmo assim algumas provas da Master tinham média horária superior.
O ciclismo bem feito é bonito de assistir. É um jogo. Não vejo isso acontecer hoje.
Das vezes que me lembro de pedalar e encontrar alguns jovens ciclistas no Lago Sul, às vezes até de alguma equipe, eles não sabiam montar a “escalera” nem rodar de acordo com o vento. Era até perigoso.
Minhas lembranças ainda são de até 2008 e depois disso não pedalei mais com intenção de treinar então não sei como ficou de lá pra cá.
É isso! Boas pedaladas a todos(as)!!!
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